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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Empy Cube- Mauro Cerqueira: Como passos num chão oco e escavado por baixo

A acção como um soalho escavado.
O trabalho de Mauro Cerqueira constitui uma topografia estratificada em que o espaço físico é a plataforma mais visível do seu universo multifacetado. O espaço emerge por via de uma acção performativa intensa, e o corpo do artista transforma-se num elemento ligador entre os objectos que integram as suas obras e as referências que convoca, criando uma outra espacialidade que existe em paralelo, um blogue intitulado “maurocerqueira.blogspot.com”. Aqui reside o registo dos projectos que vai construindo como um arquivo e que contém desenhos, vídeos, livros de autor, fanzines, música, documentação de acções e performances realizadas, projectos e colaborações com outros artistas em espaços laterais à actividade galerística, numa rede de relações que se estabelece como uma geografia do fazer. Este blogue possui, para além de uma corporalidade própria onde se concentra a produção do autor, uma tónica auto-referencial que nos transporta ao seu universo íntimo, que no caso de Mauro Cerqueira não é uma fronteira intransponível, mas a possibilidade de religar a diversidade de meios que utiliza na sua prática artística. No contexto da sua obra, o espaço – num sentido mais abrangente, que pode ser o atelier, o espaço público ou os diferentes espaços onde apresenta o seu trabalho – é como um plano transitório onde podem ocorrer acontecimentos que não correspondem necessariamente a um resultado pré-determinado, como se se tratasse de um espaço sujeito a uma permanente experimentação. A obra que Mauro Cerqueira apresenta no EMPTY CUBE, intitulada “Como passos num chão oco e escavado por baixo”, recebe o título de uma passagem do primeiro livro escrito por Robert Musil, em 1906, “O Jovem Torless”. Este romance retrata o confronto de um jovem aluno de um internato austríaco com os métodos da disciplina formativa da personalidade e a consequente tensão psicológica que sofre perante a realidade humana que encontra revelada através dos jogos de subjugação e de poder. O trabalho de Mauro Cerqueira integra de uma forma muito subtil ligações e referências à literatura, à música, ao cinema e às artes visuais, projectando sobre o espectador acções e registos (muitas vezes sob a forma documental) da sua reflexão sobre ficções e narrativas que nos põem perante problemas éticos e morais. Esta atitude reflexiva reenvia-nos para uma dimensão ética e íntima da forma como nos relacionamos com o espaço e sobre a necessidade de nele inscrevermos a actividade humana do labor, transformando esse espaço num contentor aberto e produtor de sentido.

O vídeo apresentado regista a presença de alguém que incessantemente circula dentro de uma sala pouco iluminada. Esta acção decorre no seu atelier, e é de novo o corpo do artista que nos coloca perante a questão do que se está ali a passar. O atelier transforma-se num espaço abstracto e desfuncionalizado, onde apenas ocorre um acontecimento que só o autor pode interpretar. A fraca iluminação de uma sala aparentemente vazia e o movimento aleatório daquele corpo podem enunciar uma referência a Bruce Nauman e ao seu projecto "Mapping the Studio” (2001). Mas esta referência é apenas uma das linhas geográficas do seu trabalho que se reencontra com outras obras de B. Nauman, tais como “Bouncing in the Corner Nº1”, “Wall/Floor Positions” e “Stamping in the Studio” realizadas no final da década de sessenta.

A performatividade com que o artista impregna o instante é a matriz que reconhecemos no registo e que nos relembra que uma acção pode ser, ainda que repetida vezes sem conta, apenas um fragmento da nossa vivência.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Exposição Colectiva#03 Centro de Arte e Imagem Galeria IPT

ARTES-PLÁSTICAS, PINTURA E INTERMÉDIA

A presente exposição reúne o trabalho de três alunos finalistas do curso de Artes-plásticas, Pintura e Intermédia que, conjuntamente com outros três jovens fotógrafos do Departamento de Fotografia nos apresentam o resultado das suas pesquisas e os seus desenvolvimentos durante o período em que revolveram as suas ainda embrionárias práticas no seio do I.P.T..
Ainda que as suas práticas sejam embrionárias, o que se mostra desde hoje nesta exposição, denota já um elevado grau de maturidade criativa e rigor produtivo que são sem dúvida, hoje, as palavras chave para a efectivação de qualquer prática criativa coerente aquando da sua jovem configuração.

Os trabalhos escolhidos para representarem estes três alunos do curso de Artes-Plásticas teria então de ser fruto desta coerência entre rigor produtivo e frescura criativa e especulativa que os trabalhos artísticos devem promover, sempre aliados às vivências diárias dos seus autores fora dos seus respectivos contextos pessoais mas obviamente, minados e instigados por esses antecedentes.
Nota-se então, em alguns trabalhos desta exposição, especialmente nas práticas de Ana Queimado e Madalena Folgado, uma necessidade de resgatar para os seus universos crítico-criativos as suas práticas mundanas como cidadãs e como praticantes de específicos géneros de papeis sociais.

Madalena Folgado, militar graduada de carreira, traz para o cerne da sua prática artística, problemáticas inerentes à carreira de militar, a sua função social e suas determinações hierárquicas, desconstruíndo em instalações, esculturas, séries de fotografias intervencionadas e desenhos, os limites das responsabilidades bélicas e as suas construções internas e externas. Nas suas instalações pode-se constatar de forma irónica um jogo de escalas que não é de todo desprovido de ironia e que transporta para o universo da tridimensão as convenções reconhecidas pelo universo do exército num depurado apontamento de escalas que emula a estrutura de grandezas própria às várias hipóteses de graduação existentes nesta unidade e equipara-as, como se de um gráfico de barras se tratasse a torres de madeira que simulam as insígnias de cada uma destas patentes. Este trabalho, auto-reflexivo, põe em marcha uma possibilidade cénica muito utilizada em arte contemporânea, que é a da analogia entre objectos e configurações às quais esses mesmos podem aludir, frequentemente utilizada por artistas como Gabriel Kuri por exemplo, e que, adiciona um toque de ironia ao tipo de especulação desenvolvida pelo trabalho. Nos seus desenhos, por outro lado, a artista socorre-se de um mecanismo de apresentação gráfica para chamar a atenção de pormenores de suportes baleados em carreira de tiro e suas possibilidades plásticas, desviando num primeiro olhar a potencial violência do acto num conjunto de marcas que, num contexto visual, se nos apresenta enquanto vestígios formais, mas que, no caso do trabalho desenvolvido por Madalena Folgado, representa uma das poucas hipóteses de mostrar parcialmente, ou, aludir a, imagens de manobras militares reais, que por serem reais, não poderiam chegar ao conhecimento do público civil.

O trabalho de Ana Queimado, também ele ligado à sua vida pessoal, mas de forma alguma de carácter auto-reflexivo como o de Madalena, aponta para a hipótese de ligação espiritual a eventos do mundo terreno, fundindo assim os seus interesses New Age e as suas práticas físico-espirituais (Ana é, além de jovem artista, uma praticante e professora de Yoga).
Nota-se no seu trabalho uma curiosa fusão entre o espalhafato tecnológico e o misticismo moderno que ecoa de forma visceral a presença de momentos imaginários de proveniências díspares que por um inquietante acaso se podem encontrar nos vários graus de um Totem sem tribo ou religião.
Esta capacidade de fazer ecoar em simultâneo acontecimentos e momentos da vida moderna da sociedade Ocidental com lembranças imemoriais, traz à lembrança o trabalho de um venerado artista como James Lee Byars. Não se pode dizer que o trabalho que Ana desenvolve seja de todo ligado às mesmas questões místicas que foram aprofundadas pelo artista até ao fim da sua carreira e da sua vida em finais dos anos noventa, mas, pode-se dizer que existe uma necessidade xamânica nessa ligação entre os vários elementos que conjuga nas suas peças de forma a considerar uma qualquer espécie de redenção ou de cura espiritual como o fim ultimo das suas pesquisas e das consequentes filtragens que estas assumem no desembocar do seu processo criativo e na filtragem das suas referências.

Por outro lado, encontramos no trabalho de Mia uma constante necessidade de estar em sintonia (leia-se atenção mediadora) com o Ser humano numa perspectiva social, incluído no mundo, nas dinâmicas transpessoais e na multitude de formas que estas dinâmicas assumem na vida em comunidade e em contextos maioritariamente urbanos.
A sua prática artística, maioritariamente desenvolvida em vídeo e instalação, coloca a tónica no conjunto de gestos que definem a presença do Homem enquanto ser (animal) social, em situações que subvertem precisamente essa hipótese de troca que é a comunicação entre seres humanos.
Seja em posições de aproximação voyeurística, ou em encenações teatrais absurdas que em simultâneo desmontam e mistificam essa troca tão eminentemente humana que é o acto comunicacional, os seus trabalhos, devolvem ao espectador não o “grão da fala” que nos sugere a incapacidade de comunicação pura desenvolvida por vários autores, mas, mais sugestivamente, a possibilidade ou a hipótese dos hiatos entre vida comunitária e comunicativa poder ser alvo de escrutínio, lembrando-nos enquanto “leitores” uma observação justa de Giorgio Agamben, que se refere à ideia de silêncio enquanto contrária a si própria.

Exposição Alunos Finalistas - Fotografia

A selecção destes três alunos finalistas tem como ponto comum as diferentes abordagens ao quotidiano. Naturalmente, o quotidiano surge como um tema de referência para a fotografia. É praticamente inevitável a sua relação com a fotografia.

No trabalho de Cláduio Balas a encenação toma o lugar da realidade, sintetizando um momento que contém em si outros que não nos são dados a ver. É neste poder de concentração numa imagem, e de interesse pelo antes e depois da mesma, que o seu trabalho se desenvolve.

Num extremo oposto, o projecto documental ainda em desenvolvimento de Paulo Matos sobre a sua aldeia, não pretende controlar o seu assunto no momento da fotografia. A sua prática é a da fotografia de rua, uma prática já com longa tradição. Mas, se por um lado a manipulação não existe na tomada de vista, esta (a manipulação) torna-se imprescindível na edição, construíndo um novo sentido para as imagens, criando uma nova realidade e assim aproximando o trabalho de uma ficção documental.

Também dentro desta abordagem de fotografia de rua, o trabalho de Carla Duarte apresenta-se como um híbrido explorando o quotidiano em que estamos inseridos. Neste caso as pessoas com quem se cruza em Lisboa. Estas pessoas são estranhos, como em ‘Stranger Passing’ de Joel Sternfeld, mas as imagens têm uma construção que não só remete para ideias do trabalho anterior mas também se aproxima de registos como o de Nick Turpin, mais ligado ao universo da moda.